De minha saudosa mãe Carolina, tantos ensinamentos
Nos anos sessenta, morávamos em Juiz de Fora e eu estudava, à noite, no Grupo Escolar Estevão de Oliveira, que ficava em frente à Catedral Metropolitana. Cursava a quinta série primária, uma espécie de preparação para o Ginasial.
Eu sempre fazia, a pé, o percurso que separava o grupo de minha casa, ao longo da Avenida Rio Branco, a mais extensa da cidade. Até porque nem sempre tinha grana para pagar a passagem do bonde
Certa vez eu retornava da escola e estava quase chegando em casa, quando observei um objeto cair da bolsa de uma senhora muito elegante e bem vestida, que havia descido do bonde, logo à minha frente. Pensei em gritar para avisá-la, mas achei que talvez fosse algo que tivesse jogado fora. A rua estava deserta, pois já era quase meia noite. Quando me aproximei, encontrei uma carteira muito bonita, de fecho dourado. Logo percebi que a dona era uma pessoa de posses. Fiquei então observando a senhora, e a vi entrar na portaria de um luxuoso prédio, um dos poucos existentes à época na cidade, e que ficava a uns dois quarteirões do velho casarão onde morávamos.
Na minha curiosidade de menino, abri a carteira. Então deparei com uma espécie de caderneta, que mais tarde viria a saber ser um passaporte. Tinha também uma grande quantidade de dinheiro, e algumas notas verdes, moeda desconhecida para mim. Cheguei em casa e mostrei para minha mãe, contando, inclusive, que sabia de quem era. Vivíamos em grande dificuldade financeira na época, mas, mesmo assim, minha mãe me ordenou que fosse imediatamente devolver a carteira à sua proprietária. Se ganhasse alguma recompensa por tê-la encontrado, aí sim, poderia aceitar.
Desci correndo as escadas da minha casa e fui disparado entregar a carteira, pensando no caminho o que poderia comprar com a gorjeta, que certamente iria ganhar. Quem sabe comprar muitos pacotes de figurinhas para completar o meu album. Subi correndo a rua íngreme, com várias árvores e casas luxuosas, e cheguei exausto à portaria do prédio. Aí notei um alvoroço, com algumas pessoas procurando algo na rua. Conversei com o porteiro, um velho boa praça, que logo me indicou o número do apartamento onde a senhora morava. Subi as escadas até o terceiro andar e toquei a campainha.
A mesma senhora, pertencente à “Alta Sociedade Juiz-forana”, que vi descer toda elegante do bonde, veio me atender, descabelada e histérica, com a cara manchada pela maquiagem derretida.
Aí , ao me ver com a carteira, ela a arracou gosseiramente da minha mão e bateu com a porta na minha cara, sem ao menos dizer muito obrigado. Voltei pra casa revoltado com a atitude daquela burguesia podre e comentei com minha mãe. Ela, sem demonstrar nenhum sentimento de revolta, e com a sobriedade e paz de sempre, apenas me consolou:
– Nunca se preocupe com o comportamento e as atitudes erradas das pessoas, meu filho…
– “O importante é que você faça a sua parte.”
Descanse em paz, onde quer que a senhora esteja. E minha eterna gratidão por tantos ensinamentos, minha mãe.
Mesmo sem ter a sua sabedoria procuro fazer sempre a minha parte, conforme a senhora nos ensinou.
Victor Kingma