O médico e o Curandeiro
O misticismo do povo da pequena Canjerê transformava as partidas de futebol por lá em autenticas batalhas de crendices e superstições.
Os curandeiros de cada time eram personagens de primeira grandeza no campeonato local. Viviam tentando “amarrar” os adversários ou “curar” seus jogadores de contusões. Eram despachos em cada esquina e poções milagrosas pra todo lado.
Pouco apegado às velhas crenças, o novo presidente do Grêmio Canjerense resolveu dispensar este tipo de “serviço” e contratar um médico ortopedista para cuidar da saúde de seus atletas. Além disso, impôs normas rígidas de comportamento. Qualquer desvio de conduta seria severamente punido.
Iniciada a temporada a estratégia do moderno cartola parecia dar certo. O time se mantinha na ponta da tabela e os jogadores, agora utilizando métodos científicos de preparação, quase não se machucavam. Os curandeiros do lugar, aos poucos, iam perdendo a credibilidade.
Entretanto, na semana da final, contra o maior rival, a jovem dupla de artilheiros Tilico e Pelézinho, ambos de 17 anos, as maiores estrelas do time, inexplicavelmente, aparecem para o treino desolados e tristonhos, acometidos de um misterioso mal. O ortopedista não consegue diagnosticar a doença e nada parecia livra-los da repentina apatia.
As especulações logo surgiram: estariam os craques com algum encosto e “amarrados” pelos curandeiros rivais?
Na antevéspera do jogo, sem saber mais o que fazer e acreditando que só podia ser mesmo alguma coisa sobrenatural, o jovem médico se rende à crendice do povo. Deixa a concentração e procura o socorro de Pai Tomás, antigo curandeiro do Canjerense que tinha sido dispensado de suas “funções”.
– Que mal atinge os meninos, Dotô?
– Andam tristonhos e cochichando pelos cantos, meu velho! Parece que estão com algum encosto ou escondendo alguma doença.
– Pois é! O Dotô deixou tudo pra última hora! Parece mesmo coisa do rival. Tá difícil, mas o “Véio” vai fazer um despacho para tentar curar os garotos. Leva também essa poção e manda eles tomarem hoje à meia noite.
O jovem ortopedista já ia saindo quando Pai Tomás coça a cabeça e apreensivo, da janela do pequeno casebre, o chama de volta:
– De qualquer forma, Dotô, como o tempo é curto e o jogo é de decisão, é melhor o senhor aplicar também uma injeção de BENZETACIL nos meninos. Tiro e queda. No dia da finalíssima Tilico e Pelézinho entram em campo lépidos e fagueiros e marcam os gols que garantiram o título.
Se o que curou os jovens atacantes foi o despacho, a “poção milagrosa” ou a providencial injeção da poderosa penicilina usada contra DST (doenças sexualmente transmitidas), só Pai Tomás pode dizer.
Afinal, o velho curandeiro, que era uma espécie de “médico” do lugar, tinha atendido na mesma semana, diversos jovens acometidos do mesmo mal .
Uma coincidência: todos, como era costume da meninada, tinham andado de “namoricos” com Maria Levada, uma moça “meio” sem juízo de Canjerê, que acabou espalhando o feitiço.