Caçada com meu pai, uma lembrança inesquecível
Não tive uma convivência muito longa com meu pai, pois o perdi aos 15 anos. Além do mais, durante um bom período de minha infância, papai vivia tentando refazer a vida, após ter perdido tudo: fazenda, status e os “amigos” de ocasião, dos tempos de vaca gorda. Ele fazia constantes viagens e quase não tinha tempo para conversar comigo. Também eu não colaborava muito, tímido e turrão que eu era, sempre calado e pelos cantos lamuriando.
Mas a sua figura marcante e elegante, quase sempre de terno, gravata e chapéu, foi muito importante na minha vida e de meus irmãos. Uma passagem que tive com meu pai se tornou inesquecível para mim e, tantos anos depois, se mantém muito viva na minha lembrança:
Em Mantiqueira, no início dos anos 60, era muito comuns as caçadas dominicais, com os grandes caçadores da região, cada qual com seu melhor cavalo e os melhores cães de caça. Era um grande acontecimento no lugar. Naquele dia meu pai Eduardo, o Parentinho, como todos o conheciam por lá, exímio caçador, pela primeira vez permitiu que eu o acompanhasse. Eu tinha uns dez anos na época.
No dia da caçada, levantei bem cedo e ajudei a selar nosso cavalo, sem antes limpar cuidadosamente as arreatas. Chovia um pouco, e na garupa do meu pai, que montava Brasil, seu inseparável cavalo, segui ansioso para minha grande aventura. Em volta do pescoço, e por baixo da capa de chuva, eu levava o bornal feito com pano de saco de farelo, com os proventos que minha mãe Carolina, a dona Lina, preparara com todo zelo. Parecia um filme na minha cabeça: aquela fila de cavaleiros, com uma infinidade de cães a acompanhá-los, ladeira acima. E lá estava eu, orgulhoso, me sentindo um deles.
Já tínhamos andado mais de uma légua e descíamos uma serra muito acentuada, próximo à tradicional Fazenda Passa Três, quando notei que papai, um grande cavaleiro, estava apreensivo. A chuva havia aumentado e nosso cavalo escorregava muito. De repente, o nosso bravo Brasil despencou ladeira abaixo. Papai, enquanto tentava controlá-lo, gritava:
– Salta filho! Salta filho!
Esperto como um corisco, e acostumado a correr pelos campos e ladeiras de Mantiqueira, apesar da pouca idade, saltei e não me machuquei. Mas com meu pai foi diferente: somente após se certificar de que eu estava a salvo, ele também procurou saltar do cavalo. Mas não deu mais tempo: rolou ladeira abaixo junto com o Brasil.
Por sorte, não se machucou muito, mas aquele gesto de primeiro me proteger para depois se livrar do perigo, talvez tenha sido a lembrança mais marcante que guardo do curto convívio com meu pai. E jamais me esqueci daquele dia inesquecível da caçada em Mantiqueira.
Descanse em paz, meu velho, onde quer que você esteja. Seu exemplo de generosidade foi o maior legado que nos deixou. E seremos eternamente gratos. Passados quase cinquenta de sua ultima cavalgada, sua ausência ainda se faz tão presente.
Sua benção!
Feliz dia dos pais!
Foto: Eu, meu pai Eduardo e meu padrinho Adalberto (nos cavalos). Em pé os meus irmãos mais velhos, João e Eduardo.
Na varanda, o meu irmão José e minha mãe Carolina. Fazenda da Sotéria, Mantiqueira.