A campainha ( a movimentada vida pacata)
Era um dia qualquer, como todos os outros, na minha pequena cidade. Tinha acabado de colocar o café na xicara. O restante que ainda tinha no bule. O pão de queijo, ainda quente, me esperava na mesa, à minha frente.
Me preparava para usufruir de uma de minhas manias quando, de repente…
Toca a campainha!
É o verdureiro:
– Tá precisando de verduras hoje, amigão?
– Hoje não, flamenguista! Estamos indo pro sítio! – Respondo, sem antes deixar de tabular uma conversa de rubro-negros:
– Gostou da vitória de ontem?
– Show, né amigão! Tá difícil segurar o Gabigol! – Completa, orgulhoso, o grande Quinca, antes de se afastar de bicicleta, com o balaio repleto de couve, alface, tomate e cheiro verde.
Retorno para a mesa: o café e o pão de queijo esfriaram. E café e pão de queijo requentados ninguém merece. O desjejum ficou comprometido.
Vou para o computador e começo a escrever o final de mais um capítulo do meu novo livro. Afinal, assim como o café e o futebol, a literatura também é minha cachaça, aperitivo que, aliás, nem tomo. Faltam alguns retoques para concluir o texto, quando…
Toca a campainha!
– É o amigo Gleison, da mercearia em frente à minha casa, pedindo os cascos das garrafas de cerveja do churrasco da véspera que eu, inadvertidamente, tinha esquecido de devolver.
Tudo bem que a conta pode ser acertada todo fim de mês, mas os cascos precisam ser devolvidos para o providencial reabastecimento do estabelecimento.
Volto para o computador e volto a escrever. Estou quase encontrando as palavras certas para encerrar o capítulo do livro, quando novamente…
Toca a campainha!
Melhor deixar para concluir depois. Salvo o arquivo e vou atender.
É o rapaz do transporte Escolar pedindo se pode estacionar a Van por uns minutos em frente ao portão da minha garagem, enquanto as crianças desembarcam para a aula, na escola ao lado.
Favor consentido, assim que viro as costas e fecho a porta, outro barulho ecoa…
Claro, é a campainha!
– Oi mano, estou vindo da feira! Trouxe o café torrado na hora que você me encomendou! Dessa vez não esqueci! – Completa o mano José, que antes de se despedir não deixa de reclamar um pouco das dores da artrose que tanto o incomoda.
Me dirijo até a cozinha para guardar o pó de café mas, antes de despeja-lo na lata…
Toca a campainha!
É Dona Sebastiana, a vendedora de pão de queijo, que veio entregar a encomenda da semana.
Recolho os pacotes da iguaria genuinamente mineira e já ia guardar na geladeira quando, ao sentir o aroma inigualável saindo do pacote aberto de café, ao lado da lata antiga de Biscoito Aymoré…
Coloco a água pra ferver, os pães de queijo no forno, desligo a cigarra da campainha e volto para o início desse texto.
Victor Kingma
PS: Quem não mora no interior nunca vai saber o que é viver uma vida pacata, numa casa tão movimentada.
Em tempos de isolamento, que saudade do toque da campainha da minha casa!